O papel da faixa…

Ele/Ela é 10 e tem faixa de capitã/capitão!!! Não há dúvidas que o número da camiseta, especialmente aquele que o Rei consagrou e, a braçadeira de capitã/capitão atribuem as/aos suas/seus usuárias/usuários um prestígio frente ao grupo de jogadoras e jogadores, comissão técnica e toda a comunidade que se identifica como uma equipe.

A mágica camisa 10, geralmente é o reconhecimento simbólico da competência da jogadora/jogador em ser o/a melhor do elenco. Já, a “faixa” de capitão/capitã, remete ao papel de liderança do indivíduo, que assume a responsabilidade de ser o interlocutor do grupo de jogadores/jogadoras com a comissão técnica, arbitragem, direção e torcida.

Na minha memória afetiva, tenho alguns capitães que me encantaram e, que personificaram a capitania e realizaram este papel com verdadeira maestria! Tais lembranças me levam aos anos 1990, com Dunga liderando a seleção brasileira em duas Copas do Mundo (1994 e 1998) ou, já nos anos 2000, com Cafú, seu sucessor, erguendo a Copa do Mundo no Oriente, com sua camiseta eternizando sua origem, lá no Jardim Irene. Também me recordo de Raí, no super São Paulo de Telê Santana, passeando elegantemente pelos gramados e erguendo todos os troféus possíveis que disputou.

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Entretanto é importante destacar, que os/as capitães/capitãs conquistam o direito de serem os primeiros a colocarem as mãos na taça, após terem sido eleitos/eleitas pelos/pelas colegas, reconhecidos pela competência em gerir conflitos, por manifestar sua escuta ativa e empática aos desafios dos/das companheiros/as, pela capacidade de se conectarem e conseguirem conectar os corações que batem em ritmos diferentes, além de serem as “vozes” dos treinadores e treinadoras dentro de campo!

Ser o/a treinador/a dentro de campo é a origem do/da capitão/capitã, ou melhor dizendo, a origem do/da treinador/a é a capitania. Pois, ainda no início do século passado os jogadores que detinham a braçadeira, ao deixarem de atuar dentro de campo, passavam a exercer sua liderança fora das quatro linhas.

Muitas vezes a conquista da faixa de capitã/capitão é feita pela abdicação a qualquer privilégio, restando apenas o exemplo, construído no silêncio de horas de trabalho, que exige uma disciplina espartana. Pois, como expressão atribuída a Confúcio, a palavra convence, mas o exemplo arrasta!

A faixa de capitã/capitão na história

Assumir os riscos e desafios de liderar um grupo, pode simbolicamente ou literalmente custar a vida. Como nos ensinou Eduardo Galeano¹ e Oliva Betrán², nas civilizações que habitaram a região da América Central, os jogos com bola apresentavam configurações ritualísticas, permeados por sacrifícios dos seus praticantes, que ocorriam geralmente com os capitães das equipes, pelo seu papel de liderança e importância religiosa.

Assim, após um exame mais aproximado da capitania no futebol, compreendemos a importância histórica, cultural e emocional que a “faixa” simboliza. Pois, ao envolver o braço do/da eleito/eleita, assim como em um elixir das virtudes, introjeta nos seus/suas usuários/usuárias o poder de heróis e heroínas, que ao longo da história entregaram parte dos seus esforços para a construção de uma identidade coletiva.

Deste modo, permitir, ensinar e discutir com as crianças e jovens o papel da braçadeira de capitão/capitã é possibilitar a construção de lideranças que compreendam a responsabilidade que o exercício do poder exige e, acima de tudo, promover o exercício da perpetuação de sociedades democráticas. Mas, é importante destacar, como sempre nos lembra Gabriel Puopolo, a liderança, o principal pilar da capitania, não é algo inato! A liderança, ou melhor, os diferentes tipos de liderança podem e devem ser ensinados e desenvolvidos ao longo do processo de ensino e treinamento no futebol.

A faixa de capitã/capitão na nossa Ginga

Em consonância com esta perspectiva, na Proposta Pedagógica Ginga Futebol com Alegria, sugerimos que mensalmente entre as turmas, sejam eleitos o/a capitão/capitã do mês. Sendo a escolha pautada entre os/as estudantes que melhor cumpriram os objetivos propostos para o período. Assim, no mês seguinte, o/a escolhido/a utilizará a braçadeira e terá a responsabilidade de auxiliar os professores e as professoras junto as atividades propostas. Sendo que no final de cada ano, entre todos/as os/as eleitos/as que melhor desempenhou a função é escolhido o capitão ou a capitã do ano, que ganhará a posse definitiva da braçadeira da escola como recordação!

Já, na etapa de especialização esportiva ou seja nas categorias de base, podemos promover a eleição do capitão ou da capitã como um atividade para o ensino, discussão e construção sobre a importância do processo eleitoral para democracia, como a proposta presente no Manual para o Treinamento Integral: Categorias de Base³ publicado pela CONMEBOL (p. 20), contribuindo assim para a formação de jogadores e jogadoras críticos/as, conscientes da sua importância e líderes das transformações sociais necessárias para construção do/da futebol/sociedade do futuro com liberdade e do futuro do/a futebol/sociedade com equidade, como vem realizando o Capitão Dunga, em liderar a assistência as pessoas de maior necessidade no Rio Grande do Sul, com a mesma garra que ele nos liderou na conquista do tetracampeonato.

Na verdade, este não é apenas a função da braçadeira, mas são os superpoderes que ela concede aqueles e aquelas que compreendem e horam o papel da faixa!

¹ GALEANO, E. Futebol: ao sol e a sombra. Tradução: Eric Nepumuceno e Maria do Carmo Brito. Porto Alegre: L&PM Editores, 1995.

² BETRÁN, J. O. El fútbol em clave antropológica. In: OLIVA, A. G. Manual moderno del entrenador de fútbol. 4ª Edição. Barcelona: Editorial Paidotribo, 1999. p.9-29. (Colección fútbol).

³ THIENGO, C. R. et al. Manual para o treinamento integral: categorias de base. Luque-Paraguay: Departamento de Desenvolvimento da Confederação Sul-Americana de Futebol (CONMEBOL), 2021.

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